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Fonte: Rondoniaovivo - Em Geral - 17/11/2025 09:48:00 hrs

Assim como o caso da Escola Base figura entre os episódios mais desastrosos da história da imprensa brasileira, ocorrido em 28 de março de 1994, quando uma denúncia de suposto abuso sexual em uma escola infantil localizada na região central de São Paulo transformou-se em um palco de notícias falsas, apurações falhas e um dos maiores desserviços já praticados por órgãos importantes da mídia como Rede Globo, TV Bandeirantes, SBT e os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, o resultado foi a destruição de uma família e um massacre midiático injusto.
Foi um verdadeiro “linchamento” moral e físico dos proprietários da escola, que caíram em desgraça e só conseguiram recuperar uma pequena parte do que perderam por meio das indenizações obtidas na Justiça contra as emissoras e jornais envolvidos.
O caso da adolescente Eloá Pimentel, de 15 anos, ocorrido em 13 de outubro de 2008, sequestrada dentro de casa pelo ex-namorado Lindemberg Alves, de 22 anos, que a manteve sob cativeiro por cinco dias — cerca de 100 horas — sob constante ameaça de morte e quase sempre com um revólver apontado em sua direção, seguiu uma linha semelhante no que diz respeito à cobertura midiática.
No entanto, dessa vez não se tratou de fake news ou má apuração: foi pior. Alguns programas e repórteres conseguiram acesso ao número do telefone da casa onde Eloá estava mantida refém e até ao celular de Lindemberg, expondo ao vivo, para todo o país, o drama da jovem e dando voz ao sequestrador, que passou a enxergar nas entrevistas um meio de se impor e de controlar tanto a polícia (inclusive o GATE, o Grupo de Ações Táticas Especiais) quanto os negociadores.
No documentário “Caso Eloá: Refém ao Vivo”, disponível no catálogo da Netflix desde quarta-feira (12), esse poder midiático em detrimento da segurança e da integridade da vítima é mostrado com ênfase nas falhas tanto da polícia, responsável pela condução do caso — seja a Militar, seja o GATE, a elite da polícia paulista, especializada em situações de extrema gravidade, como sequestros com reféns —, quanto da imprensa, que viu naquela tragédia uma oportunidade de audiência espetacular. As emissoras RedeTV!, Record e SBT alcançaram índices acima do normal com suas coberturas em tempo real, realizando entradas ao vivo com familiares, amigos e até com os protagonistas — Eloá e Lindemberg.
O documentário, muito bem realizado pela diretora Cris Ghattas e pela produtora Veronica Stumpf, mostra desde o início, de forma contextualizada, como se deu o sequestro: Lindemberg, revoltado com o fim do namoro e com o fato de Eloá o estar ignorando, comprou um revólver, munição e invadiu o apartamento onde ela morava com a família. Na ocasião, Eloá estava acompanhada de sua melhor amiga, Nayara, e de dois colegas da escola, realizando um trabalho escolar de geografia.
No momento em que o irmão mais novo de Eloá, Everton, retorna ao prédio e tenta entrar no apartamento sem sucesso, estranha a situação, pois a porta estava trancada por dentro e ninguém atendia. Enquanto esperava do lado de fora, o pai de Eloá e Everton, Everaldo, chegou do trabalho e percebeu algo errado.
Ao subir até o apartamento e não conseguir entrar, Lindemberg se manifestou, afirmando que estava com Eloá e os amigos dela dentro, armado e disposto a matá-la e depois tirar a própria vida.
Em pânico, Everaldo foi obrigado a não chamar a polícia, sob ameaça de Lindemberg “acabar com tudo”. No entanto, o pai de um dos colegas de Eloá, que também estava sob a mira do sequestrador, acionou a polícia ao perceber que o filho não havia retornado para casa. Vale lembrar que a família de Eloá morava em um conjunto habitacional na periferia de Santo André, área considerada pela própria polícia como de risco, devido ao tráfico de drogas e à presença de diversos pontos de venda de entorpecentes.
Com a chegada da polícia, o caso ganha uma dimensão inesperada devido ao sequestro e às constantes ameaças de morte às vítimas. Um negociador é chamado e logo percebe que Lindemberg não pretende recuar, apresentando momentos de explosões de raiva.
O GATE é então acionado para assumir o controle, dando início a um dos sequestros domiciliares mais longos da história recente, com quatro adolescentes mantidos em cativeiro por um homem descontrolado e obcecado pela ex-namorada.
Nesse cenário, o que parecia uma situação controlável e passível de resolução em tempo hábil toma proporções imprevisíveis, à medida que o sequestrador vai tomando decisões impulsivas. Aos poucos, ele libera os dois rapazes, depois Nayara, mas mantém Eloá, seu principal foco, sob seu domínio, iniciando uma vigília de 100 horas.
A partir do terceiro dia, quando a imprensa percebe que o caso não teria um desfecho rápido devido à natureza possessiva e instável de Lindemberg, começa uma das maiores coberturas jornalísticas de um crime em andamento, com desfecho completamente incerto.
O documentário traz entrevistas com os familiares de Eloá, os irmãos Everton e Ronickson, o pai Everaldo e a mãe Ana Cristina, que relatam em detalhes cada passo dado desde o início do sequestro, o envolvimento da polícia nas negociações e o clima de tensão constante vivido por todos.
Os depoimentos revelam detalhes impressionantes sobre a relação de Eloá, que começou a namorar Lindemberg aos 12 anos, quando ele tinha 19, com o consentimento dos pais. Três anos depois, o término do relacionamento desencadeou o surto do rapaz, levando-o à atitude trágica que culminou no crime.
As entrevistas com representantes do GATE, policiais e o próprio negociador apontam que houve perda de controle total da situação, evidenciando que a polícia não estava preparada para lidar com aquele tipo de ocorrência. Em muitos momentos, até mesmo os negociadores parecem amadores, adotando uma postura condescendente com Lindemberg e deixando de aplicar medidas mais assertivas quando ele demonstrava agressividade.
Atiradores de elite o mantinham sob constante mira, e o documentário mostra que Lindemberg escapou de ser alvejado diversas vezes quando se aproximava da janela do apartamento. No entanto, o então governador José Serra não autorizou qualquer tipo de enfrentamento ou disparo contra o criminoso, acreditando que o caso poderia ser resolvido de forma pacífica e que a polícia conseguiria controlar a situação.
Então, o documentário passa a focar na presença constante da imprensa no local. Algumas emissoras chegaram a permitir que suas equipes pernoitassem junto à polícia nos arredores do prédio isolado. E é justamente essa presença da mídia que transforma toda a situação, pois já havia uma negociação encaminhada com Lindemberg para que ele se rendesse e libertasse Eloá com vida. A princípio, ele havia concordado, exausto após dias sem dormir, mantendo-se em vigília contínua.
Quando um repórter da RedeTV!, do programa de Sônia Abrão, Luiz Guerra, realiza uma entrevista por telefone com o sequestrador, e ainda consegue falar com Eloá, o Brasil inteiro para. Aquele furo de reportagem, exibido praticamente ao vivo, marca o ponto de virada da cobertura. O caso, que parecia encaminhado para uma resolução pacífica, reacende em intensidade a partir do momento em que outras emissoras também passam a ter acesso direto à linha telefônica de Lindemberg. A própria Sônia Abrão conversa com ele e com Eloá, tentando se colocar como mediadora e pacificadora da crise e, claro, com a expectativa de ser a apresentadora responsável por encerrar o sequestro mais acompanhado do país.
O absurdo, como o documentário evidencia, é constatar que essa ruptura entre jornalismo e ética, ao dar voz a um criminoso durante a execução de um crime em tempo real, transforma Lindemberg, que assistia à cobertura televisiva de dentro do apartamento, em uma figura quase vítima: um “coitado” movido por amor. É perturbador escrever isso, mas é o que se vê. Ele ganha um protagonismo doentio, alimentado pela exposição midiática. Dentro daquela crise, encontra um poder que nunca teve, vê seu ego inflar e passa a se comportar como “senhor da situação”: mente para a imprensa, manipula os policiais e conduz o sequestro de acordo com seu próprio roteiro, com a clara intenção de executar Eloá, de um jeito ou de outro.
O desfecho, todos conhecem. A polícia invadiu o apartamento, e Lindemberg atirou duas vezes em Eloá, um tiro na cabeça e outro na virilha. Nayara, a amiga que havia voltado ao apartamento após uma decisão incompreensível do comandante do GATE, foi atingida na boca. Eloá morreu dois dias depois, na UTI de um hospital.
Assistam ao documentário. Ele é muito bem produzido, reunindo elementos e entrevistas que demonstram que o caso Eloá foi um erro histórico da polícia e da imprensa. Os próprios jornalistas que cobriram o crime fazem um mea-culpa, reconhecendo o imediatismo e a imprudência da cobertura, que sacrificou a ética jornalística em nome da audiência.
Em determinado momento um jornalista, que esteve na cobertura, diz na entrevista: “virou um circo”.
Toda a história, suas consequências e resultados são angustiantes e revoltantes. Caso queira ir além do documentário, há no YouTube as entrevistas concedidas a Sônia Abrão pelo sequestrador e outras aberrações jornalísticas da época — tentativas de alcançar uma suposta “excelência” de cobertura que, na verdade, apenas alimentaram a sanha assassina de Lindemberg.
O assassino de Eloá Pimentel foi julgado e condenado, em 2012, a 98 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de homicídio qualificado, tentativa de homicídio, cárcere privado e disparos de arma de fogo. Posteriormente, recorreu e teve a pena reduzida para 38 anos. Atualmente, cumpre pena em regime semiaberto.
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